Friday, January 9, 2009

Cristina da Suécia. Existe a possibilidade de ela ter sido hermafrodita.

Mistério na morte e na vida

9/1/2009
Cristina da Suécia, ícone feminista e crossdresser, inspira discussões 320 anos após sua morte
Por Thereza Pires

Pelos pensamentos, palavras e obras e pelos fatos que cercaram seu nascimento, juventude, maturidade e fim de vida, a trajetória da Rainha de Cristina - mais tarde conhecida como Maria Christina Alexandra ou Conde Dohna - que governou a Suécia por 22 anos, parece a mais inverossímel das histórias.

Perfeita para inspirar autores de livros, peças teatrais, óperas e tema para estudantes de mestrado, doutorado, pós-graduaçã, participantes de seminários sobre sexualidade e fóruns de discussão de literatura.

Em 1931, 342 anos depois de sua morte, a história da Rainha Cristina recebeu um tratamento ficcional com as estrelas Greta Garbo e John Gilbert. Título original: "Queen Christina". Diretor: Rouben Mamoulian.

Em 1974, outro filme - "The Abdication". Baseado na peça de Ruth Wolff, foi produzido na Noruega com Liv Ulmann e Peter Finch - Swedish Film Production/Warner Brothers e direção de Antonhy Harvey.

Cristina se tornou um exemplo a ser seguido para o movimento feminista e sua personalidade crossdressing é um ícone para a comunidade transexual. O rio Christina, em Delaware (Estados Unidos), recebeu este nome em sua homenagem.

Nec falso nec alieno
"Nada falso, nada artificial" era a divisa da Rainha Cristina (1626-1689), amada filha do Rei Gustavo Adolfo II da Suécia, feminista que estava adiante de seu tempo e procurou viver como pensava. Intelectual, mecenas das artes e interlocutora de Descartes. No dia 6 de junho de 1654, farta de dez anos de reinado, abdicou solenemente em Upsala, em favor de seu primo Carlos Gustavo - que pretendia desposá-la - mudando o rumo da história, deletando a dinastia dos Vasa e assumindo, publicamente, seu amor pela Condessa Ebba Sparre.

Christina ou Kristina, depois conhecida como Maria Christina Alexandra e, em certas ocasiões como Conde Dohna, nasceu em 18 de dezembro de 1626 em Estocolmo, filha única de Gustavo Adolfo II da Suécia e de Maria Eleonora de Hohenzoller-Brandemburg. Eleonora sentia grande culpa por não haver dado ainda um herdeiro para o trono, depois de ter perdido dois bebês, sucessivamente.

O nascimento da criança real, que desejavam ser um menino, ocorreu durante uma rara conjunção astral que trouxe muita expectativa. Os astrólogos previram que nasceria um menino com inteligência excepcional.

O bebê era grande e tinha muito cabelo e os porta-vozes informaram que havia nascido um príncipe, enchendo o palácio com falsa alegria, como diria Cristina mais tarde.

O Rei Gustavo não deu a menor importância e até fezz uma espécie de piada, dizendo que a filha seria muito mais inteligente do que o normal, pois, ao nascer, já teria enganado toda a Corte.

Cristina recebeu a educação de um herdeiro: idiomas estrangeiros, arte militar, política, ciências e equitação, na maioria das vezes usando roupas masculinas. Ainda criança, mostrava uma precocidade que impressionava Descartes, que foi seu preceptor.

Gustavo Adolfo morreu na batalha de Latzen (Alemanha), em novembro de 1632.

Rei Cristina
Em fevereiro de 1633, o Parlamento declarou a jovem herdeira de 16 anos Rei da Suécia - o termo Rainha era usado para a esposa do monarca.

Durante a minoridade, a Suécia foi governada pelo regente Axel Oxenstierna, mas Cristina frequentava as sessões do Conselho de Estado, sem que nada escapasse de sua sensibilidade apurada.

Ao completar 18 anos, começou seu reinado. E começou bem. Negociou um tratado de paz entre a Suécia e Dinamarca e, com grande empenho, ajudou a terminar a Guerra dos Trinta Anos, contra a vontade de Oxenstierna que preferia continuar a luta.

A Paz de Werstfalia, em 1648, foi firmada em termos muito favoráveis à Suécia. A posse das duas margens do Mar Báltico torna o país a mais importante potência nórdica. Como tinha fina educação, Cristina entendia a necessidade da cultura, a importância de aprender. Distribuiu bolsas de estudo, comprou livros de toda a Europa, convidou pensadores, inclusive René Descartes, para que fixassem residência em Estocolmo.

A questão da sucessão
Antes de subir ao trono, a questão da sucessão já preocupava a Corte. A Rainha não tinha a menor pressa em pensar na possibilidade de casamento e rejeitou inúmeros pretendentes.Cristina era considerada meio masculinizada, tinha grande interesse em aprimorar o intelecto e amava estudar. Não tinha interesse por moda e cuidados com cabelos e usava acessórios masculinos.

Surgiram rumores sobre pretendentes, mas o objeto de seus suspiros era a Duquesa Ebba Sparre, "bed fellow" e dama da Corte. Na gélida Suécia no século 17, dos candelabros e das sombras, era comum que pessoas do mesmo sexo compartilhassem a cama, apenas para se manterem aquecidas e confortáveis, mas a atração física de Cristina por Ebba ficou evidente nas cartas de amor que lhe escreveu.

Coroada em 1650, renuncia em 6 de junho de 1654 e abdica em favor de seu primo aos 27 anos. Isso causa o fim da dinastia de Vasa, que se extinguiu com ela, que morreu sem deixar herdeiros. Depois deste ato, as mulheres foram excluídas da sucessão, lei que seria revogada em 1980 para permitir que a Princesa Victoria fosse sucessora do atual rei Carlos Gustavo.

O ato da Rainha chocou toda a Europa. As razões são discutidas até hoje, mas parece que havia uma forte aversão ao casamento. Seus conselheiros tentaram, sem sucesso, que aceitasse a proposta de casamento do primo, agora Rei.

Em Roma
Cristina, filha de um vencedor protestante da Guerra dos Trinta Anos, se converteu ao catolicismo e Roma tornou-se seu segundo lar. Começou a viajar por toda a Europa, visitou a França várias vezes. Era chamada "A Amazona", por conta de suas roupas masculinas e seus modos bruscos.

Mesmo depois de deixar o reinado, fazia manobras políticas e negociações na Polônia e em Nápoles, contando sempre com a cumplicidade de Cardeais. Quando o trono da Polônia ficou vago, em 1668, trabalhou pela sucessão, mas a perda das eleições na Polônia causou-lhe um baque.

Resolveu dedicar-se às artes e fundou a Accademia Reale, hoje Accademia dell'Arcadia - para o estudo de literatura e filosofia.

Mecenas
Cristina foi grande apoiadora das artes e tinha uma coleção de telas com mulheres em poses eróticas. Construiu um teatro no local do convento Tor di Nona, substituindo os castrati por mulheres cantoras de ópera.

Escreveu livros e discutia com vários filósofos ,entre eles Blaise Pascal e René Descartes. Grande amiga de Alessandro Scarlatti, sugeriu o tema para a ópera Pompeo (1683). Patrocinou Arcangelo Corelli, maestro que dirigiu o concerto em honra de James, da Inglaterra. Escreveu uma autobiografia e ensaios sobre Alexandre, o Grande e Julio César. Mantinha correspondência com grandes intelectuais da Europa.

A então Rainha Cristina e seu chanceler Axel Oxenstierna lançaram em 1645 a publicação Post- och Inrikes Tidningar ou PoITen, relatório das despesas relativas ao financiamento da Guerra dos Trinta Ano - considerado o mais antigo jornal impresso em papel.

Mistério
Em 19 de abril de 1689, Cristina morreu em Roma aos 62 anos, após pequena enfermidade. Contrariando seu desejo, o Papa Inocêncio XII mandou realizar uma elaboradíssima cerimônia, com cortejo de cardeais, clérigos e noviços até a Basílica de São Pedro, onde está sua sepultura. É uma das 3 únicas mulheres ali enterradas.

Segundo a biógrafa Linda Rapp, o embaixador português Antonio Pimentel foi um de seus inúmeros amores masculinos e femininos. As especulações sobre a sexualidade de Cristina ainda estão bem presentes desde o dia em que, ao nascer, foi confundida com um menino. Existe a possibilidade de ela ter sido hermafrodita.

Em 1965, o corpo foi exumado e examinado. O esqueleto parecia ser de uma mulher, mas o tempo e a retirada das vísceras e de alguns órgãos internos prejudicaram as análises de laboratório.

Linda Rapp acha que Cristina permanece um mistério, na morte como na vida.

Fuente:

Un servicio de la
Organización Internacional Intersexual

OII-Brasil